O Sol refletia no asfalto o fervor da sua ira, o barulho ensurdecedor dos carros envolvia a cabeça do Cleiton que ensaiava em um pequeno espelho de mão a cara de coitado, esperando o farol fechar. Os primeiros carros foram parando rente a faixa. A interpretação começou: o palco era a rua e a platéia dentro dos carros aplaudiam o coitadinho do Cleiton, sem ao menos olhá-lo. Ele, sorrindo, pensou ao jogar as inúmeras moedas no bolso: “Estou ficando bom nisso”. Olhou no relógio e viu que o carrão que o financiava estava atrasado e logo agora, que faltava pouco para ele comprar o que tanto queria.
O farol abriu e ele voltou para seus sonhos. Tinha vários sonhos: comprar uma moto muito louca, dar um “rolê” na praia, entrar no shopping e comprar uma roupa muito “dahora”. Estava experimentando a roupa e o farol fechou junto com seu sorriso. Viu o carrão parado e foi até o carro bateu no vidro que foi abrindo aos poucos, o motorista nem olhou no rosto dele.
- Dá um dinheiro tio?
Recebeu dois reais e agradeceu. – Obrigado tio.
Contava as moedas ao sentir a mão nas costas.
- E ai moleque já arrumou a grana?
- Falta pouco irmão!
- Então a parada está guardada, quando tiver a grana me passa um “fio”.
- Falou mano, quando tiver o dinheiro te ligo.
Sentou e ficou pensando nos seus sonhos. Queria estudar, mas ia para escola e não aprendia nada, ou melhor, aprendeu sim, a primeira vez que fumou maconha foi na escola. Queria ser advogado andar engravatado ser chamado de doutor, pegar várias “minas” bonitas. Mas onde ele morava e com os pais que ele tinha não ia ser nada. Se quisesse viver tinha que fazer os “corres” dele.
Seu o pai vivia dizendo:
- Já tem quatorze anos. Está na hora de arrumar dinheiro para casa! O farol fechou e lá foi ele de novo. - O bom de pedir dinheiro no farol é que o povo comprovava o que eu sempre soube: que sou um nada. Quando me vêem chegando sobem o vidro ou fingem que não me vê. Mas isso logo vai acaba. Eles ainda vão olhar nos meus olhos. Falta pouco.
- Dá um dinheiro tio, vinte centavos servem.
- Obrigado tio!
A noite chegou. Antes de voltar para casa parou, desenterrou a lata com seu dinheiro guardou um pouco e levou o resto para o pai. Chegou a casa ouviu de fora a gritaria. Foi sorteado, era dia de briga pai versus mãe. Abriu a porta e recebeu um carinho do pai, um tapa na cara que o fez ver o chão rodar.
- Aonde você tava até agora, cadê o dinheiro?
Meteu a mão no bolso retirou as moedas e recebeu outro tapa.
- Não acredito que você apenas conseguiu isso. O filho do vizinho chegou antes e trouxe bem mais.
Ele apenas com a cabeça baixa, ouvia. Não adiantava recrutar pois, a cada palavra dele, recebia um tapa do pai. Esperou o pai terminar e foi para sua cama sonhar com um lugar maravilhoso, sem pobreza e sem pai.
O Carrão parou na frente dele e sem que ao menos pedisse, o homem abriu o vidro, estendendo a mão com dois reais. Assim que pegou o dinheiro o homem fechou o vidro. Ele ficou ali parado, olhando o carro ir embora, pegou o dinheiro que tinha no bolso, contou, sorriu de alegria e correu para o orelhão.
- Mano já tenho o dinheiro, encontro você aonde? Tudo bem! Estou indo ai.
O farol fechava e ele ansioso esperava o Carrão e nada dele chegar. Ao ver o carro apontar longe. Apertou o botão para abrir o farol para pedestres, pensou: “estou com sorte”, ao ver o farol fechar, e o Carrão diminuir a velocidade e parar.
O vidro foi abrindo e o homem esticou o braço com os dois reais na mão
- Ola tio! É melhor o senhor olhar para mim. Se assustou né? É um calibre 9 mm fabricada na Alemanha. Sabe Alemanha? Hitler! O senhor sabe é inteligente, o cano dela é gelado né! Comprei com seus dois reais, e para agradecer, o senhor vai ser o primeiro que assalto. – Vai logo passa carteira, relógio e quero aquele computadorzinho no banco também. – Qual é o nome dele? Isso mesmo, notebook! Vai logo que o farol vai abrir, isso mesmo seja bonzinho, não vai querer que eu aprenda a atirar em teu corpo né?
- Valeu tio e da próxima vez que for ajudar alguém, olha no olho dele. E assim Cleiton iniciou sua trajetória na vida do crime, financiado pelos dois reais que recebia no farol, não dê esmola, dê futuro! Ajude a tirar uma criança da rua hoje para ela não te assaltar amanhã!
Seu texto retrata a realidade vivida por muitas crianças e que a sociedade faz questão de esquecer. Parabéns pelo Texto!!!
ResponderExcluirBjo
Bia
Adorei! É isso mesmo: não dê esmola dê futuro para que o futuro não seja o mesmo deste personagem... Parabéns pelo texto.
ResponderExcluirBeijos
Lucia
Muito interessante e realista seu texto...a gente sempre fica sem ação quando uma criança pede esmola no farol, não temos como prever a reação delas principalmente por saber que estão sendo influenciadas e até cobradas por alguem. E sabemos que o incentivo a educação acabaria com isso, mais cadê o interesse dos "governantes"?? Não sendo epoca de eleição...cada um por si...e Deus para todos...
ResponderExcluirLucy
Oi Val... sem querer querendo encontrei seu blog e aqui me peguei lendo suas letras que formam muitas palavras,lindamente conectadas no belo conjunto realista que é seu texto. Parabéns... por amar a arte, fazer arte e ser arte! Estou seguindo seu blog... siga o meu tbm ta?
ResponderExcluirbeijossssssssssssssss com saudades!
MARCELA
São lindas suas poesias
ResponderExcluirParabéns pelo excelente trabalho!
Uma mensagem mais tocante que a outra...
ResponderExcluirPARABÉNSSS!!!!
bjO da Lu....